sexta-feira, 31 de maio de 2013

Iogurte Magro

    A caneca está me cima do livro que deixaste ontem na secretária. Não acabaste de beber o café. Voltas a tapar a cara com os lençóis brancos de linho A luz está a incomodar-te esta manhã. 
    Está na hora da corrida matinal, não te podes atrasar. Respiras fundo e espreguiças-te com a pouca energia que tens. Levantas.te, coças a cabeça e diriges-te ao espelho. Tiras o pijama e agarras na fita métrica. Medes a tua cintura. Quarenta e nove centímetros que gostavas de ver diminuídos. Atiras a fita para o chão. Já não usas soutien e a menstruação há muito que não te faz uma visita. Vestes umas calças desportivas e uma t-shirt bem largas. Vais até à cozinha, tiras o iogurte magro de cereais e sais.
    Este será mais um dia do teu tão poderoso controlo.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Porta

   A porta de luz que te traz ao escuro; o escuro que te faz ver. Porque é que a fechas? Porque é que a fechas? A porta não é senão uma abertura na parede. Tens de a fechar para que essa parede possa, então, ser o que é. Para que tu possas ser o que és. 
   Tens mesmo de fugir dessa luz que te apaga. Tens mesmo de fugir dessa luz que te apaga?

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Fumo Negro do Azul

     O pássaro que há pouco estava no parapeito da tua janela voltou. Sabes que não te podes mexer. Há o risco de que se vá embora de novo e desta vez pode já não voltar. Aí de baixo não consegues vê-lo bem, precisas de te elevar para o apreciares realmente. Agora não sabes se ficas a observar apenas uma asa azul do grande pássaro negro através do fumo do teu quarto ou se te aproximas e corres o risco de esse azul se misturar com o do céu.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Quando na cama.

    As pessoas gritam dentro das caixas como se de sapatos se tratassem. Lá atrás vê-se uma fogueira que as aquece com brasas semelhantes a elas. Há também um carro. Não. Uma carrinha branca, bem grande, quem tem penduradas outras tantas em ganchos. Essas estão seguras pelo queixo mas não gritam; essas apenas gemem. Os cabelos escuros e longos, muito longos - tão longos que chegam ao chão mesmo com as suas raízes nas cabeças penduradas no alto, com os queixos em ganhos afiados - estão molhados no líquido vermelho do costume. Do costume não; é o mesmo mas é sempre diferente. Cada uma com o seu! Cada conjunto de pessoas cria uma mistura com cheiro e cor únicos. Há dias em que seca, ficando espesso e emanando um cheiro quase insuportável de tão despercebido que passa. Mas por enquanto lá vai caindo um pingo do sítio onde deviam estar as unhas.
     Um dia já terão comido o Sol. E eu apenas desvio os olhos.